Arquivo: Edição de 11-03-2011
A questão LíbiaEm 1914 a Líbia estava ocupada pelos italianos, durante a Primeira Guerra os líbios reconquistaram a maior parte do território, vindo novamente a perdê-lo para a Itália após a guerra, sendo integrada no reino de Vittorio Emanuel III de Itália em 1939. Vittorio tinha conduzido Mussolini ao governo, que entra na Segunda Guerra em 1940. A Líbia é palco dos confrontos entre o Afrika Korps de Rommel e os ingleses. Após a derrota das forças do Eixo, passou a ser governada pelos ingleses na Tripolitânia (oeste) e na Cirenaica (leste) ficando a parte sudoeste de Fezzan na posse dos franceses. Aos governos militares dos aliados, e após aprovação da independência pelas Nações Unidas em 1 de Janeiro de 1952, sucedeu o líder religioso Idris al-Sanusi, emir da Cirenaica, coroado rei da líbia A monarquia despótica de Idris concedeu bases militares aos americanos que com os ingleses dominavam económica e militarmente o país. A líbia vivia do aluguer das bases militares, era pobre e antiquada. Com a descoberta de petróleo em 1961 abriram-se conflitos que haveriam de dar origem ao golpe que derrubou a monarquia. Em 1969 os “oficiais livres” fazem um golpe de Estado, sem derramamento de sangue, contra o rei Idris. Kadhafi, presidente do Conselho da Revolução lidera o novo regime. Kadhafi, de origens beduínas e nascido no deserto líbio na região de Sirt, recebeu treino militar no Reino Unido, tendo iniciado o golpe de Estado em Benghazi. Admirador de Nasser que governava o Egipto, é com esse modelo e com o exemplo da soberania sobre o petróleo, que já como chefe de Estado, em 1970 expulsa os militares estrangeiros, nacionaliza a banca e o petróleo. A Líbia possui as maiores reservas de África do petróleo de melhor qualidade. Com o dinheiro dos recursos petrolíferos as condições de vida dos líbios transformam-se radicalmente. Kadhafi lança-se na construção das infra-estruturas modernas, necessárias a um país com as dificuldades de ser na maior parte estéril e desabitado, atrasado e sem mão-de-obra. Etnicamente é na maioria Árabe, chegados cerca do século VIII, havendo também os Berberes (pré-muçulmanos), Tuaregues e Tibbu, nómadas para quem as fronteiras são uma abstracção. Os últimos 40 anos, a modernidade Líbia, representa um salto civilizacional extraordinário, do camelo e tenda às costas, para a vida urbana e o conforto. Mas é um território tribal, sempre foi, a obediência primeira é para com a tribo, o que convém reter para a compreensão da revolta actual. Kadhafi, sendo um nacionalista árabe, representa(va) também o factor agregador entre as tribos. A maior tribo (Warfalla) reúne uma sexta parte da população e quer derrubar Kadhafi, enquanto a segunda mais importante – Magriha – compõe algum do sector público administrativo e divide com a tribo de Kadhafi (Gadaffa) boa parte dos postos superiores do exército. As tribos são mais de cem. O exército convencional tem empregado os filhos dos notáveis das várias tribos, é mal treinado e mal equipado. As dissidências correspondem à obediência tribal. O poder militar está na segurança interna e nas “Milícias do Povo” cujas brigadas especiais não respondem ao exército, são leais a Kadhafi e ao seu círculo mais próximo, o “Povo da Tenda”. Na Líbia, em três décadas a população quintuplicou, mais de metade são jovens, a população activa é 1/6, metade dos habitantes é emigrante, uma taxa baixa se comparada com os países do Golfo. A maior parte da classe trabalhadora é estrangeira. As regiões líbias não têm uma história de identidade comum, entre a Cirenaica e a Tripolitânia há deserto, e da costa a Fezzan uma caravana demorava meses a chegar, há uma separação física. Os investimentos alimentavam o sistema de alianças tribais e parece que Kadhafi descuidou a zona mais islamizada, a Cirenaica, com queixas antigas sobre a distribuição dos lucros do petróleo. As cisões podem corresponder a essa alteração das relações de força, e à repressão das manifestações em Benghazi; seria a isso que se referiu o filho de Kadhafi, Saif, como erros cometidos. O desmembramento da Líbia parece inevitável, a divisão geográfica e o tecido social e cultural tribalista, não é o melhor molde para criar instituições de um Estado centralizado. Sem as regiões da Líbia unificadas teria sido impossível, entre outras, a obra extraordinária (faraónica) dos rios artificiais que bombeiam água do fundo do deserto do Sara e a levam aos campos e cidades por muitos milhares de quilómetros. Os Estados Unidos estão ausentes da exploração do petróleo e gás líbio, e já prometeram ajuda aos dissidentes, o Reino Unido e a França desenham o projecto de resolução para criar uma zona de exclusão aérea, intervindo militarmente no conflito. Também a Al-Qaeda terá estabelecido um “emirato islâmico” em Derna, no leste do país. Na presente situação de impasse na guerra civil, está iminente a intervenção militar estrangeira. (continua) 2011-03-08 Por: Carlos Mesquita |
